Confissões de uma treinadora de cães: Capítulo 01.

Sou uma idealista por natureza. Gosto de pensar alto e longe e nunca fiquei satisfeita com respostas simples. Eu sempre fui a criança que perguntava o porque de tudo e sempre queria ser melhor do que fui no dia anterior. Sempre fui muito observadora e aprendi muito apenas vendo como os outros faziam. Essas são características pessoais que eu trouxe comigo para o meu trabalho com cães.

Quando comecei minha jornada com cães eu queria apenas viver melhor com o meu cachorro. Tive múltiplos cães e com eles a oportunidade de errar muitas vezes até aprimorar técnicas e práticas de convívio que tenho hoje. Eu queria apenas ajudar as pessoas que estavam perdidas. Eu queria que elas pudessem viver uma experiência superior de vida com seus cães. Afinal, se um dia eu aprendi, porque elas não poderiam aprender também? 

Quem faz esse trabalho sempre começa com muita disposição, muita energia e muita paciência. Durante os primeiros anos vemos todos os tipos de casos diferentes, com famílias diferentes em cenários diferentes. Criamos a nossa versatilidade nos trabalhos, aprendemos cada vez mais e vamos sendo testados todos os dias. O desafio com os cães é fenomenal. Poder ver cachorros diferentes e participar desse processo de reconstrução é absolutamente incrível, porém, tudo tem um preço. Vamos a eles.

O grande desafio do treinador de cães é o cenário de atuação dele. Tudo seria muito tranquilo se o trabalho fosse apenas com os animais, porém, cada cão pertence a uma família, e aí está o grande quebra cabeças desse negócio. 

Eu sempre fui uma boa comunicadora. Sempre gostei de conversar e diálogo é uma tarefa agradável para mim. Dito isso, quando fazemos atendimentos, estamos sempre tendo que recriar e refinar a nossa habilidade de conversar com pessoas diferentes, e reformular nossa argumentação, para que a mensagem fique clara e eficaz para aquele indivíduo em questão. Essa não é uma tarefa fácil amigos! 

Um grande paradoxo que vivemos como treinadores é o como balancear o nosso aprendizado pessoal como profissionais com a nossa prática com as famílias. Exemplificando, as coisas funcionam assim: 

  • Quanto mais tempo de carreira você tem, melhor você se torna como profissional logo sua expectativa com seus clientes e cães fica maior. Você quer ver essas famílias progredirem mais rápido porque você sabe que é totalmente possível. 

  • Quanto mais tempo de carreira você tem, mais frustrado você fica porque você se vê sempre falando a mesma coisa, e ensinando o capitulo 1 de um livro que você já leu há 10 anos atrás. Para você tudo é tão claro, mas para o cliente é tudo novidade. 

É como se você estivesse sempre no meio de um cabo de guerra, aonde um lado é o que você sabe muito bem e do outro é o que você precisa ensinar. Logo, você acaba não saindo muito do lugar. Esse é o mercado de adestramento e comportamento canino. Ele é quase que estático e essa realização sempre gera frustração. 

Por outro lado, é por esse mesmo motivo que essa profissão existe. Afinal, se todos evoluíssem no mesmo passo, em algum momento a profissão de adestrador iria simplesmente desaparecer. Isso acontece em muitas profissões, mas no nosso mercado, esse é um dos grandes motivos pelos quais muitos profissionais nunca fazem carreira. Talvez a grande diferença aqui é o envolvimento que temos com os cães. Eles são uma grande paixão nossa e sabemos que não existe nada pior do que ver uma animal privado de uma vida melhor porque seus donos, por alguma razão, não querem fazer o que precisa ser feito. 

Existem vários motivos pelos quais as pessoas hoje tem muita dificuldade para educar seus cães, mas eu arrisco em dizer que a resposta está no decorrer dos nossos últimos 40 e poucos anos, e como fomos condicionados a ver o mundo de uma maneira bem diferente. Tudo que envolve disciplina foi pintado de uma forma negativa, os cães perderam a real identidade como animais e passaram a ser vistos como filhos de uma geração bem menos preparada para a realidade. 

Para um treinador de cães, estar de frente para essa realidade, e saber navegar nesse mercado com sucesso, é quase que uma arte. É como estar numa missão impossível, aonde seu caminho é dentro de um campo minado, e qualquer passo em falso pode ser a sua destruição. Saber falar bem, ter uma boa argumentação, uma boa apresentação, boas técnicas e bons resultados, é uma mistura de muitas habilidades, que vão além do manuseio e treino do cão. 

Como se não bastasse, existe ainda uma batalha interna entre os profissionais. Para quem não sabe, boa parte dos treinadores de cães são lobos solitários, e as brigas e desentendimentos dentro dessa classe são constantes. Para cada novo grupo que se cria, outros dez se desafazem, com muito ressentimento. Não existe um time, um grupo, ou uma facção, é literalmente cada um por si com uma espada na mão. Existem amizades aqui e ali mas no geral os profissionais estão sempre em conflitos por trás das cortinas, infelizmente. 

Há quem diga que essa é uma carreira fácil e maravilhosa, mas quem assim o diz ainda não viveu muitas das batalhas internas que um profissional da área vive. No próximo capítulo eu vou entrar nos detalhes sobre os conflitos dessa profissão, e como muitas vezes precisamos fazer escolhas difíceis, que podem comprometer a nossa habilidade de sobreviver com esse tipo de trabalho, em nome do que acreditamos como filosofia. 

Até breve.