Confissões de uma treinadora de cães: Capítulo 20

Uma das perguntas que recebi recentemente foi: “você já pensou em desistir dessa carreira?”. Essa com certeza vai ser uma resposta significativa e por isso aqui vamos para a longa e densa resposta. Sim! Absolutamente já pensei em desistir, milhares de vezes.

A carreira de adestramento, da forma como escolhi, é talvez a carreira que mais demanda de um ser humano no sentido de doação e esforço individual, sem qualquer garantia de resultados financeiros ou quaisquer outros. É impossível saber quanto você vai ganhar, da mesma forma que é impossível saber como a sua audiência vai lidar com seu conteúdo, como seu cliente vai performar com o cão, ou até mesmo como o cão vai se comportar dentro do treinamento proposto. É caminhar no escuro o tempo todo, contando apenas com a sua habilidade de fazer o melhor que você pode, com muita coragem e determinação. É preciso ter muita confiança em si mesmo, e uma habilidade enorme de caminhar sozinho numa jornada que ninguém perto de você quer acompanhar.

A rotina diária é de muita privação individual, sem tempo para muita coisa a não ser o trabalho em si. A porcentagem de clientes interessados, no nível necessário, é pequena, mas é desse mínimo grupo que vem a sua única fonte de motivação. Os anos da sua vida passam como um sopro, muitas vezes sem a percepção de abstinências que parecem ser irrelevantes, até que se mostrem urgentes. Na sua totalidade o quadro traduz muito mais incertezas e frustrações do que vitórias, e depende exclusivamente do indivíduo por trás da profissão para fazer tudo isso se manter em pé.

Mas de onde exatamente vem a vontade de desistir? No meu caso, quando sentia isso, vinha de um elemento bem simples: a exaustão e o sacrifício por um ideal batalhado não compartilhado por boa parte da população. É saber que você pode ajudar, e quem sabe mudar o rumo da vida das pessoas com seus cães, e entregar tudo isso de graça para uma sociedade que escolhe a apatia e a falta de ação. Realizar que vivemos num mundo aonde as pessoas fecham os olhos para realidade sempre foi muito difícil pra mim, e dentro da profissão isso foi mais um obstáculo.

Durante anos eu fiquei fora de discussões, de comunidades, de conversas e reuniões com outros profissionais da área. Honestamente eu não conhecia ninguém, e ficar longe me permitia ter mais foco e atenção na mensagem que eu queria passar por trás de todo o meu conteúdo. Quando passei a ter mais contato com o universo dos profissionais da área, novamente enxerguei o espaço, que existe até hoje, entre o que as pessoas pensam e o que elas fazem, e isso também me mostrou que o caminho ainda é muito tortuoso e solitário para aqueles que querem fazer do jeito certo e transparente.

Sim, existem excelentes pessoas nessa profissão, como existem no mundo, mas a porcentagem sempre vai ser pequena quando comparamos com o inverso. A pílula amarga aqui é: temos que fazer as pazes com a realidade e saber que escolhas de honra serão feitas por muito poucos, e são esses poucos que sempre farão o sacrifício pelos restantes. É uma escolha, então todos nós podemos sair quando assim desejarmos. A pergunta é: o que a sua saída representa pra você? Se nada, então nada está perdido. Se muito, então vale a batalha, e é aqui que eu me encaixo. Eu acredito no meu propósito e sei que posso fazer a diferença. Sim, é doloroso, é solitário, é exaustivo mas é também recompensador. Cada um tem a sua medida e eu nunca fui uma pessoa convencional, que se contenta com pouco. Nada na minha vida foi “como manda o figurino” e eu nunca aceitei de mim mesma menos do que eu sou capaz, então aqui ainda estou.

Tenho certeza que pensar em desistir de uma carreira tem como base o mesmo conflito interno que temos quando pensamos em desistir de qualquer outra coisa. Desistir de tudo é muito fácil. Sempre vai existir uma justificativa pra deixar tudo pra trás. Mas é tudo uma grande desculpa. Fica quem quer, quem acredita, quem briga, quem tem coragem, quem não aceita a derrota e sabe que pode fazer melhor no dia seguinte. Fica quem entende que semente demora para brotar, e só colhe quem planta. Fica quem entende que a vida é feita de altos e baixos e não de mares calmos, e navegar na direção do sol é muito mais satisfatório do que simplesmente morrer na praia olhando com desejo, pro horizonte em alto mar.