Confissões de uma treinadora de cães: Capítulo 19.

Interrupções abruptas de hábitos consistentes são sempre um forte sinal de que algo está fora de sintonia com o indivíduo que assim se manifesta. Quando comecei essa série eu estava determinada a seguir em frente com a produção de um novo capítulo por dia, sem interrupções. Então o que aconteceu e porque essa ausência tão longa? Foram dois anos de silêncio nas palavras escritas, mas nesses mesmos dois anos muita coisa foi dita de formas diferentes.

Eu poderia facilmente justificar essa ausência com o volume trabalho com os cães e uma série de outras desculpas mas a verdade é uma só: pessoalmente eu fui surpreendida por uma grande surpresa negativa que seria, em meses seguintes, o impulso que eu precisava para fazer uma grande transformação de vida, em todos os aspectos. Para todos que acompanham meu trabalho e não sabem, eu sou do signo de escorpião. Como toda boa escorpiana, eu tenho a habilidade de renascer das cinzas de uma forma sempre melhor, e ironicamente a vida sempre me trouxe grandes batalhas internas e externas então posso dizer que esse foi um desses momentos.

Todos nós vivemos batalhas que nem sempre são vistas, mas no mundo do treinamento de cães, quanto maior e mais relevante você se torna, maior precisa ser a sua habilidade pessoal de lidar com conflitos e dificuldades sem deixar com que a sua eficácia e profissionalismo sofram com isso. É a habilidade de separar suas dores da sua carreira e vida pessoal para garantir a sobrevivência de tudo que foi criado até esse momento. Está longe de ser fácil mas é absolutamente necessário para a nossa reconstrução e evolução.

Curiosamente essa também foi a época mais desafiadora do meu trabalho na prática, já que nesse período eu tive que treinar cães bem mais difíceis com uma expectativa de sucesso já bem maior. Foram momentos de muita pressão e cobranças interiores aonde muitas vezes eu questionei o meu real propósito nessa profissão. Essa foi a fase aonde minhas lives eram mais passionais, mais fortes e mais diretas e foi assim a tradução semanal do meu processo de reconstrução. Mas porque desse jeito? Porque esse tom tão forte e quase que hostil aos olhos de quem estava de fora?

Indivíduos são diferentes e cada um de nós aprende a lidar com situações de conflito e adversidades de uma maneira bem peculiar. Esse desenho acontece bem cedo em nossas vidas e no meu caso, como cresci numa cultura de atletas, minha revanche sempre foi aprender com meus erros e ver cada queda como oportunidade pra melhorar, e nunca desistir. É no olho do furação que provamos quem somos para nós mesmos. É a cobrança do espelho, depois da partida, no silêncio, que faz a diferença. Não existe nenhum outro responsável pelas suas dores a não ser você mesmo, da mesma forma que ninguém perde uma partida por você, ninguém ganha nenhum jogo no seu nome. Quem quer vitórias tem que aceitar derrotas e usá-las como combustível para voar cada vez mais alto.

Mostrar fortaleza é literalmente se forçar a brigar contra tudo aquilo que vem pra te testar. Os testes da vida vem quando você menos espera e se apresentam com o objetivo de evolução ou regressão. Essa é a prova. Quando tudo desmorona ao seu redor, aquilo que você se propôs a fazer vai ser feito ou vai ficar de lado? Quando ficar difícil você vai continuar ou vai jogar a toalha? Essa cobrança vem de dentro foi assim que aconteceu a minha reviravolta.

Questões pessoais sempre serão os obstáculos que nos colocam à prova, então temos que saber que as respostas também estão no nosso lado pessoal. Os detalhes do que aconteceu são menos importantes do que seus frutos, já que foram faíscas necessárias para me impulsionar para uma nova etapa. No fim não é o que acontece com você que te define, mas sim o que você faz com essa catástrofe.

Então aqui estou, dois anos depois, em novo país, numa nova cidade, numa nova casa, fisicamente longe de tudo que um dia foi familiar pra mim. Mas a peça mais importante veio comigo: a minha essência. Aquela que por um momento se perdeu mas encontrou no vale das sombras o caminho para a libertação. Eu retomo essa série com a seguinte mensagem: nunca é tarde para recomeçar e reconstruir de volta tudo aquilo que você sempre desejou. Para isso é necessário deixar tudo para trás e caminhar apenas com o que te faz vivo. O resto será sempre o resultado do potencial que nunca deixou de te habitar. Amanhã tem mais.